Sobre as melancolias de um "ser ou não ser"...

     Depois de ler o texto de Giorgio Agamben, Estâncias, foi impossível deixar de lado aquela melancolia sugestiva. Primeiro, porque essa bilis negra é aquela cuja desordem pode provocar as consequências mais nefastas, e é inevitável que se consiga não pensar sobre, uma vez que nosso foco de estudo é justamente os registros de alguém que, se não fosse essa herdeira laica da tristeza caustral quiçá não obtivesse tal registro. Pensemos, pois, em todos os conceitos: já que a ordenação possa só vir de acordo com o tempo e com as necessidades...

     Já não me bastasse o sentimento sugestivo do último encontro do grupo, que ocorreu na sexta, no sábado assisti ao Hamlet de Thiago Lacerda, dirigida por Ron Daniels. E não houve como não pensar nesse texto do Agamben. Primeiro, porque o Hamlet de Shakespeare é um clássico justamente pela melancolia. Segundo, pela atmosfera sombria que eu senti - sugestiva, claro, ora em tons sutis, ora estampadamente marcada, à vista de todos -, por 2h45 minutos. Em terceiro, porque não há como sair indiferente após presenciar a junção dos dois.

     Algumas pessoas haviam me questionado, quando comentei que assistiria à peça, se, de fato, Thiago Lacerda seria "tudo isso" para "segurar" Hamlet - que, sabemos, é uma personagem controversa e inconstante. Pois digo que o ator é mais, muito mais, "se transforma" - nas palavras da minha colega Rose. Não só ele: todas as personagens são ostentadas por atores que, se não as representa à primeira vista, como o caso, para mim, de Ofélia e Gertrudes, há outras tantas possibilidades de me convencerem: e convenceram.

     Numa perspectiva muito contemporânea - muito nosso grupo, aliás - o texto recebeu uma linguagem atual, costurado, claro, pelas falas tradicionais, sem, no entanto, fugir a um mero misturar: foi, de fato, uma tessitura entre o clássico e o profano, sem ser piegas ou clichê. O texto fluía tanto nas falas mais rebuscadas quanto nas canastrices de Hamlet e do Coveiro, de forma que essa união pareceu tão válida, que não pude pensar outra forma que não fosse a representada.

     A melancolia me foi despertada intransigentemente o tempo todo, fosse pelas falas, ásperas, duras, sarcásticas, fosse pelas sensações despertadas pelas luzes, pelos objetos em cena - a cama e a cova, nada mais representativos -, pelos deslocamentos das personagens pelo palco - e fora dele -, e pelos figurinos - cujas cores já comunicavam vozes silenciadas, almas fadadas a uma angústia sem fim.

     Saí em luto, também, porque não foi só uma representação simbólica de uma melancolia, mas principalmente de uma realidade criada a ser real, e me foi. Já diria Freud: "depois de se ter retirado do objeto, o investimento libidinoso volta para o eu e, simultaneamente, o objeto é incorporado ao eu". Vem sempre a renovação de ser um outro-eu, que passo a ser, a partir de então. A arte sempre nos proporciona isso. 

E o resto? É silêncio...

Não podia tirar foto do espetáculo. Essa imagem é do intervalo.


Outra foto do intervalo: maquiagem da personagem Hamlet para o teatro ao Rei e à Rainha.
Agradecimentos ao público que lotou o Theatro São Pedro. A peça encerrou sua turnê aqui em Porto Alegre.



Todas as citações do texto são referências do texto do Agamben.
AGAMBEN, GIORGIO, ESTANCIAS - A PALAVRA E O FANTASMA NA CULTURA
OCIDENTAL. Editora: UFMG, 2007.

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