Literatura Daqui



A edição de eventos desse ano tem por objetivo fomentar o debate da literatura contemporânea, através de encontros entre alunos da graduação e da pós-graduação com escritores que estão fazendo a nova literatura no Rio Grande do Sul. 

No último evento do semestre, contamos com a participação do contista Luís Roberto Amabile, que falou sobre sua última obra O Livro dos cachorros, e dos mestrandos André Roca e Gabriel Eduardo Bortulini, que fizeram a mediação.









Pra onde vai a literatura brasileira contemporânea?




Camila Alexandrini

“É frustrante.”// “Não é uma leitura que me prende.”// “É desinteressante.” // “Esse não é o livro que eu esperava ler.” // “É bem escrito, mas não gosto.” // “Ganhou muitos prêmios.” // “Falta literatura.”

Em nosso grupo de pesquisa, o qual se aprofunda especificamente na literatura contemporânea brasileira, tem sido recorrentes tais comentários sobre as leituras que fizemos nesse ano de 2015 [Sérgio Y. vai à América (2014), Minha vida sem banho (2014), O evangelho segundo Hitler (2015)]. É evidente que não são unânimes, mas são insistentes. Como leitores assíduos da literatura que aqui se faz e pesquisadores inteiramente interessados nos movimentos e nas nuances do contemporâneo, cabe a nós também pensar o que fazer com eles. Não é recente o desconforto (de várias feições) com as novas formas e os limiares entre um fazer e outro, um tempo e outro, mas parece urgente a necessidade de compreensão e revisão contínua das ferramentas que nos utilizamos para nos adentrar na literatura – ou para nos escapar daquela que se estabeleceu sob conceitos fundantes.

Já apontava Maurice Blanchot que a literatura encaminha-se ao fim e, aos seus eternos amantes, cabe o desejo de redescobri-la continuamente. Da mesma forma, nessa estranha instituição, a literatura, como afirma Jacques Derrida, produz-se um traço sempre paradoxal: a lei que constitui é nela mesma contestada. Talvez o que esteja acontecendo são as artimanhas próprias do contemporâneo, em que a profanação ilumina o passado sem se ater. Esperávamos talvez o passado atado, o deleite e o gozo com o qual a literatura se identifica, ou ainda, que a sua desconstrução pudesse revelar-se com garras menos conhecidas por nós, leitores exigentes. Perguntar-se o que é literatura tem sido nossa tautologia preferida, e sim, há prazer em não saber, em dizer sempre o mesmo de formas cada vez mais inesperadas. É preciso, contudo, mais do que isso. É necessário que nos lancemos à literatura munidos de outros mecanismos de leitura, de outras expectativas teóricas, de um estar disposto à performatividade que o contemporâneo nos coloca.


“É difícil talhar esse objeto que é invisível e impalpável.” // “A literatura é uma vaca que mia”. // “A literatura é voar fora da asa.” // “Literatura é o encontro entre precariedades." // “A literatura é liberdade.” // A literatura é humana e é a leitora de mim.

Na literatura, tudo está por dizer. Resguardamos nela o imperativo de nossos dias, e as tentativas de identifica-la serão sempre frustradas (ou frustrantes). A não essência da literatura nos leva a outros discursos, à busca de sua potência revelada em outros objetos e formas. Como uma performance inaugural, de acordo com Derrida, que reconstrói seu leitor a partir do sim que ele lhe oferece, a literatura contemporânea parece estar à espera de uma experiência renovada – de escritores e leitores – em que, desafiando sua própria escritura e instituição, ela possa ser novamente subversiva e indisciplinar. 

Segunda orelha: Minha vida sem banho


Quando Célio parou de tomar banho, ele tinha certeza de que assim mudaria o mundo. Não que a decisão tenha sido tomada por questões políticas. Foi meio que sem querer, por causa do aquecedor que queimou. Mas para Célio, isso foi coisa do destino, porque era assim que tinha que ser. E a convicção de estar fazendo algo importante que logo acomete o ego da personagem também tem razão de ser: neto de um homem que viveu (e sofreu com) o holocausto, uma das maiores mazelas da história mundial, filho de um homem que viveu (e lutou contra) a ditadura militar, uma das maiores mazelas da história brasileira, Célio é um desamparado ideológico. Ele também quer ser engajado, mas não sabe muito bem como, por isso, encontra nas questões ambientais algo em que se apoiar. Que as suas convicções políticas (além da certeza de que o consumo de água deve diminuir) nunca fiquem claras ao leitor é só mais um sintoma dessa sociedade em que tudo se liquefez. 
Mas não esperem um homem do subsolo ou um tratado sobre a degradação humana - o nosso (anti)herói também não é nenhum personagem de Hamsun. Célio é só um sujeito perdido, apático, sem muitas perspectivas e que não tem muito a dizer. Não à toa seu discurso seja tão tedioso.
E como 150 páginas de monotonia não teriam outro efeito no leitor que não a monotonia, Bernardo Ajzenberg cria uma alternância de vozes narrativas que incluem os emails e cartas histéricas de Débora, namorada de Célio, e os fragmentos saudosistas do caderno de Wiesen, amigo do pai da personagem e amante da sua mãe. Assim, com ironia e humor, Bernardo constrói um livro leve com assuntos pesados: dos problemas políticos, pessoais, familiares, profissionais de duas gerações que se afastam e se aproximam e parecem não saber mais seu lugar...




Minha vida sem banho (Bernardo Ajzenberg, 2014) foi a obra lida (e discutida) pelo grupo na primeira reunião de maio. Foi aí que surgiu a ideia de trazermos os livros pra cá, com textos curtos, sem argumentação teórica nem complicação, como se fossem as orelhas (que aliás, andam incomodando o grupo, que sempre quer reescrevê-las!).

Curta um conto: A partir da insônia e do Raymond Carver

A insônia me acomete e fico pensando. Ou fico pensando e a insônia me acomete. Entre outras (muitas) coisas, penso no Carver. Raymond Carver e suas histórias sobre a classe média baixa estadunidense, os que em geral ficaram à margem do “sonho americano”. Histórias de linguagem simples e emoções vastas. 

Não sei se o Fernando Mantelli sofre de insônia. Mas ele também pensa no Carver. O Fernando é cineasta. Gosta de fazer curtas-metragens. Adaptados de contos. Dirigiu, por exemplo, Limbo, baseado no conto “Visor”, de Carver. 

A madrugada adentra a noite, e eu a adentro a madrugada. (Re) Lendo Carver. Visor. P. 275 de 68 contos de Raymond Carver (Companhia das Letras, 2010). “Um homem sem mãos apareceu na minha porta para me vender uma fotografia da minha casa. A não ser pelos ganchos cromados, era um homem de aspecto comum, de mais ou menos cinquenta anos...” 

Um começo instigante eu diria. Queria tê-lo escrito, mas essa coluna não é sobre mim. É sobre o Carver, e o Fernando Mantelli. E o Curta um Conto, um evento da Faculdade de Letras (FALE) da PUCRS. Eu faço a mediação. Entrevisto o diretor, que exibe o seu filme e fala da adaptação. Nesta quarta, 22/10, na Arena da FALE, às 18h.

Luís Roberto Amabile

http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/biblioteca/Capa/BCENoticias/BCENoticiasCuriosidades


Umas palavras com Élida




  

Angústia, dúvida, entrega, paixão, medo, vento, leveza “para que não me falte”.

Palavras que rolaram no último encontro do grupo de pesquisa Limiares Comparatistas e Diásporas Disciplinares, reunião especial pela presença de Élida Tessler. Alinhavada em reflexões sobre o papel das cidades nas obras da artista e no compartilhar de leituras, ideias e até de vídeos temperados com músicas de Caetano, a conversa girou bastante em torno do trabalho infinito de Élida Tessler, Você me dá a sua palavra? Nele, a artista pede para que o interlocutor escreva, num prendedor de roupas de madeira, uma palavra de sua língua materna. Elas depois são expostas em um único fio, que já exibiu suas memórias por Porto Alegre, Vitória, Petrópolis, São Paulo, Porto, Paris, Melbourne, Santiago do Chile, Umbertide, entre outras palavras que se chamam cidades.

Se as palavras falam origem, a história dessa obra pode começar com a detenção de um prefeito em Macapá, onde Élida tinha sido convidada para participar de um evento. Dada a situação política, o evento não podia mais ser realizado da mesma forma. Élida encontrou o centro cultural fechado, os funcionários que a contataram todos ocupados com o desenrolar do caso da prisão. Para o motorista de taxi que a buscou no aeroporto, seu contato então na cidade, Élida Tessler perguntou por que o prefeito tinha sido preso. “Ele faltou com a palavra”, disse o homem. Ela foi até um atacado e voltou carregada dos prendedores de roupa com que começou Você me dá a sua palavra? – obra que, como pretende a artista, deve continuar para sempre.

Se a palavra é começo, pode ser em 2004, mas também pode ser amor. Essa foi a palavra escolhida pelo taxista em Macapá, a palavra inaugural de Você me dá a sua palavra?, e, segundo Élida Tessler, uma das mais recorrentes no projeto. “Às vezes eu não lembro o nome de uma pessoa que eu conheci assim, mas me lembro da palavra”, Élida disse. Se as palavras são muitas, a gente não fica intimidado: deixa escorrer pelos toques no teclado da maneira em que vierem, e quem quiser que conte mais quatro...

LETRA E LUTO: Pode uma ditadura silenciar a arte?

E o segundo evento da série Letra e Luto, que ocorreu no dia 11 de abril, contou com as participações dos doutorandos Moema Vilela, que falou sobre Rodolfo Walsh, Luís Roberto Amabile, que fez a leitura de seu texto publicado na revista homoliteratos (http://homoliteratus.com/pode-uma-ditadura-calar-um-escritor/), e Rodrigo Trujillo, que falou sobre as músicas de Charly García.
Aqui, algumas imagens do encontro:





E não esqueça: em junho tem mais!
Não perca!
|os eventos desse semestre serão na temática Letra e Luto, em homenagem aos 50 anos do golpe militar brasileiro|

Próximo evento!

E nesta sexta-feira, dia 11 de abril, teremos mais uma edição de "Letra e Luto: Literatura e Ditadura". Nesta 2ª edição, contamos com as participações mais que especiais de Moema Vilela, Luís Roberto Amabile e Rodrigo Trujillo. 
Não perde!


11 de abril - a partir das 17h30 - Arena do Celin (2° andar do prédio Letras, sala 222)


LETRA E LUTO: Censura e Autocensura.

Com as falas de Vanessa Zucchi, sobre Cassandra Rios, e de Luís Roberto Amabile, sobre Adriana Lisboa e Elvira Vigna, os encontros de final de tarde de sexta-feira tiveram início na Arena do Celin. Sob o tema de Censura e Autocensura, as abordagens dos doutorandos tiveram a graciosa intervenção de Charles Dall'Agnol, e a participação significativa de um público incrível.
É muito bom reiniciar os trabalhos dessa forma!
Em abril, tem mais!

Confira algumas imagens: