E por falar em futebol: das brasileiras que escreveram sobre o tema

Em tempos de Copa do Mundo, os torcedores aumentam -  e na torcida surgem críticos, treinadores, gente que nem gosta muito de futebol mas dá palpite, se emociona e vibra junto!  Encontrar mulheres nesses grupos está cada vez mais comum, mas se engana quem pensa que a relação entre mulheres e futebol é recente.

Na década de 20, com a publicação do livro Alma, Ana Amélia de Mendonça não só introduzia o tema na poesia brasileira como também ajudava a difundir e popularizar o esporte no Brasil, ensinando o jogo aos operários da fábrica de seu pai. Mas a relação entre a escritora e o futebol foi além: Ana Amélia apaixonou-se pelo então goleiro do fluminense Marcos de Mendonça, com quem casou e teve três filhos.
Antes do início do relacionamento, já apaixonada pelo goleiro, Ana Amélia escreveu um poema inspirado nele:

Ao ver-te saltar para um torneio atlético,
sereno, forte, audaz como um vulto da Ilíada,
todo o meu ser vibrou num ímpeto frenético.
como diante de um grego, herói de uma Olimpíada.
Estremeci fitando esse teu porte estético,
como diante de Apolo estremecera a dríada,
Era um conjunto de arte esplendoroso e poético,
enredo e inspiração de uma helioconíada,
No cenário sem par de um pálido crepúsculo
tu te lançaste no ar, vibrando em cada músculo,
Por entre as aclamações de massa entusiástica.
Como um Deus a baixar do Olimpo, airoso e lépido,
tocaste o solo, enfim, ardente, intrépido,
belo na perfeição da grega e antiga plástica.
 (Apud Coutinho, 1980 p.116).


Outras mulheres também dedicaram seu tempo escrevendo sobre futebol, entre elas Raquel de Queiroz, que se declarava fã do esporte. Em uma entrevista para a Veja, em 1996, a escritora afirma:
"Se for levar essa vida a sério, é bastante chata. Mas vivo nela toda satisfeita. Não vou a conferências, nem a festas literárias. Gosto mesmo é de cozinhar e de assistir a futebol e boxe."

O que Rachel de Queiroz não esperava eram algumas decepções futebolísticas que abalariam (mas não apagariam) sua fé, como a derrota do Brasil pela França, na final da Copa de 98:
"E vá dizer a verdade, que a França mereceu, que ela jogou melhor, arrebatando o nosso ‘penta’! Neste momento de ira, “La belle France” é o grande vilão. Mas que é que se há de fazer? Paixão é isso. E quando a gente sugere que de quatro em quatro anos tem Copa, quem sabe no ano de 2002 a gente ganha... Eles nos olham com desprezo e chegam a nos apodar de traidores.
A sorte é que, ao início da nova temporada, as lágrimas se enxugam, as esperanças renascem. É o eterno ciclo da vida. Futebol é como a vida mesmo, se repete e se renova. Quem foi vencedor hoje pode estar entre os últimos, ano que vem. Pelo menos é a nossa esperança." (em Falso mar, falso mundo)
Rachel de Queiroz estava certa: 2002 seria o ano do Brasil.

Clarice Lispector foi outra admiradora de futebol. Botafoguense e leitora de Armando Nogueira, Lispector escreveu um texto para o Jornal do Brasil, em 1968, em resposta a um desafio do próprio cronista, no qual contava sobre seu envolvimento com o esporte.  Mas “Armando Nogueira, futebol e eu, coitada” não é seu único escrito com referência ao tema, ainda podemos citar o conto “À procura de uma dignidade”, do qual destaco um fragmento:

"Então este segundo homem informou que havia visto perto da arquibancada da direita, em pleno estádio aberto, “duas damas e um cavalheiro, uma de vermelho”. A Srª Xavier tinha dúvida de que essas pessoas fossem o grupo com quem devia se encontrar antes da conferência, e na verdade já perdera de vista o motivo pelo qual caminhava sem nunca mais parar. De qualquer modo seguiu o homem para o estádio, onde parou ofuscada pelo espaço oco de luz escancarada e de mudez aberta, o estádio nu desventrado, sem bola nem futebol. Sobretudo sem multidão. Havia uma multidão que existia pelo vazio de sua ausência absoluta."
(em Laços de Família)

Termino contando que também é possível escrever um texto erótico e futebolístico. Em um conto escrito especialmente para antologia Onze em campo e um  banco de primeira, organizada por Flávio Moreira da Costa, Hilda Hilst mostra que é possível misturar futebol, erotismo e literatura. Ficou curioso? Tem um exemplar da obra na Biblioteca da Pucrs. 



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