Coutinho e Paul Ricoeur

Os eventos do grupo desse semestre acabaram, mas vou continuar trazendo textos interessantes para vocês lerem. Este que escolhi é de Jean Claude Bernardet e foi publicado em seu blog em 24/06. Ele trata de um tema que me é muito caro: identidade e narrativa:

Coutinho e Paul Ricoeur

Texto publicado originalmente em: http://jcbernardet.blog.uol.com.br/arch2010-06-20_2010-06-26.html

Tendências filosóficos e psicológicas atualmente dominantes afastam-se das teorias substancialistas e essencialistas do “eu”. Ou “eu” não é uma substância, uma identidade guardada nas profundezas do ser e que seria posto em situação pela trajetória da vida e da história.

O “eu” tende a ser visto como uma produção, uma construção constante. Mais do que isto: ele é esta produção. A concepção do “eu” como dinâmica incessante levaria a sua dissolução, portanto fazem igualmente parte desta construção movimentos de fechamento e de estabilização que fixem o sentido da vida.

O movimento de estabilização é parte integrante do movimento de produção. Autores importantes (as obras de Paul Ricoeur SOI-MÊME COMME UN AUTRE e TEMPS ET RÉCIT; L’INVENTION DE SOI, UNE THÉORIE DE L’IDENTITÉ de Jean-Claude Kaufmann, sugestão editorial para Jorge Zahar) dão à narração papel fundamental na dinâmica da produção de si e na fixação do sentido da vida. Vista desta forma, a identidade é a história que cada um se conta. Paul Ricoeur é taxativo: a identidade individual se constrói de um modo narrativo. O processo de construção de identidade é um processo narrativo. O essencial para o “eu” é o diálogo entre a experiência vivida e o relato. E Kaufmann acrescenta: entre a experiência vivida e o relato é às vezes difícil distinguir qual é o motor real, o que domina.

Pois parece que JOGO DE CENA deu uma alfinetada irônica nessa narração considerada como parte fundamental do processo identitário, já que o relato pode ir passeando por bocas e corpos que não vivenciaram o relatado.

Outra alfinetada não menos irônica é do romancista espanhol Enrique Vila-Matas. Num texto incluído em EXPLORADORES DEL ABISMO ele fantasia que Sophie Calle lhe pediu –  assim como pedira a outros escritores, Paul Auster por exemplo – que escrevesse uma história que em seguida ela passaria um ano vivendo. Aí o relato é anterior a vivência, e esta é decorrente da narração e não o seu motor. A narração deixa de ser a organização significativa do vivido para se tornar um programa a ser cumprido.

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