Escritores brasileiros na Argentina

No último sábado, no Caderno Cultura da ZH, saiu uma matéria sobre a presença de escritores brasileiros no mercado editorial argentino.

Não leu? Então confere aqui:
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NAS LIVRARIAS ARGENTINAS

O Brasil redescoberto

 

Escritores brasileiros contemporâneos chegam à Argentina pelas mãos de editoras independentes


A literatura brasileira vive um bom momento na Argentina. Além da reedição de clássicos, como Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que após 27 anos ganhou nova e caprichada tradução em 2009, há uma leva de autores contemporâneos nas prateleiras.

Entre os lançamentos previstos para os próximos meses estão Galileia, de Ronaldo Correia de Brito, Malagueta, Perus e Bacanaço, de João Antonio, Eles Eram Muitos Cavalos, de Luiz Ruffato, O Monstro, de Sérgio Sant’Anna, e Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu.

A aposta é bancada especialmente por pequenas editoras, como Adriana Hidalgo, Beatriz Viterbo, Corregidor, Bajo la Luna, Eterna Cadencia e Eloísa Cartonera. São empresas comandadas por gente de cabeça jovem, erudita e curiosa, aberta ao novo.

Fabián Lebenglik, diretor editorial da Adriana Hidalgo, destaca que uma das funções das editoras independentes é gerar novas necessidades e não atender a demandas:

– Felizmente não temos um revólver na cabeça que nos obrigue a vender 50 mil exemplares de uma obra. Queremos a boa literatura, o texto que fascina, e não necessariamente o que vende mais.

São da Hidalgo, por exemplo, as edições de Bandoleiros e A Céu Aberto, de João Gilberto Noll (que Lebenglik, entusiasmado, compara a Samuel Beckett), e de Onde Andará Dulce Veiga, de Caio Fernando Abreu. Alem, é claro, da nova edição de Grande Sertão e de dois livros de Clarice Lispector, Descobrimentos e Revelação do Mundo.

Esses dois livros de Clarice saíram como uma única obra no Brasil, A Descoberta do Mundo, que reúne as crônicas publicadas pela escritora no Jornal do Brasil entre o final dos anos 1960 e o início dos 1970.

– Decidimos publicar em dois tomos, com vários anos de diferença entre um e outro. Revelación de un Mundo já está na quarta edição e Descubrimientos, lançado no mês passado, é um éxito de crítica e vendas – acrescenta Lebenglik.

Obras que normalmente vão parar também em prateleiras europeias, tendo em vista que quando traduz um autor, a Hidalgo compra os direitos de edição no mundo todo.

– Editamos o que consideramos ser a melhor literatura, e a projetamos – arremata.

A Argentina, segundo Lebenglik, sempre foi ponte para autores brasileiros entrarem no mercado internacional. É o caminho que deve seguir Os Ratos, de Dyonélio Machado, traduzido recentemente na Argentina e que deve ser publicado em breve na Espanha. A obra, de 1935, era inédita em castelhano.

– Uma grande injustiça, porque Machado é um autor não inferior a Guimarães Rosa – destaca Lebenglik.

Na Beatriz Viterbo, outra editora essencial para os escritores brasileiros, a diretora Adriana Astutti reforça que os selos independentes estão mais dispostos a fazer as apostas de longo prazo que exigem os lançamentos de autores contemporâneos menos conhecidos na Argentina.

– O que lançamos está mais ligado a nossos gostos literários pessoais e dos diretores das coleções do que ao departamento de vendas – diz.

Ela acrescenta que textos de Chico Buarque e Jorge Amado, por possuírem comercialização assegurada, ficam com as grandes editoras. Diferentemente do mercado brasileiro, que restringe em 30% a participação do capital estrangeiros nas editoras, na Argentina não há limites, o que torna impossível a existência de grupos de médio porte. Há apenas os grandes conglomerados espanhóis e as independentes – o que torna ainda mais importante o trabalho que fazem.

Foi pelas mãos da Beatriz Viterbo que os leitores argentinos se apaixonaram por Milton Hatoum. Tanto Dois Irmãos quanto Relatos de um Certo Oriente tinham versões anteriores na Espanha, mas com traduções consideradas não satisfatórias pela editora portenha. É exatamente com esse autor, no entanto, que se vê como o intercâmbio entre os dois países, apesar do esforço, ainda é frágil. Hatoum foi traduzido primeiro para o grego, o holandês e o árabe antes de chegar à Argentina. Entre os contemporâneos, a Beatriz Viterbo também já traduziu Caio Fernando Abreu (Pequenas Epifanias), Sérgio Sant’Anna (Um Crime Delicado) e Miguel Sanches Neto (Um Amor Anarquista).

Astutti revela que a eleição dos autores depende de vários fatores.

– No caso de O Monstro, de Sérgio Sant’Anna, foi uma indicação do escritor Cesar Aira, que também pediu para fazer a tradução. Já Hatoum foi recomendado por Adriana Kanzepolsky, amiga e professora da Universidade de São Paulo.

Em geral, a prioridade são autores inéditos no castelhano, ou então clássicos que estão esquecidos ou com versões aquém do que merecem.

A editora Corregidor foi uma das pioneiras a investir na literatura brasileira, em 1999, com o lançamento da coleção Vereda Brasil, dedicada a autores clássicos e contemporâneos e dirigida por Florencia Garramuño, Gonzalo Aguilar e Maria Antonieta Pereira. São 17 volumes até agora, entre elas antologias de Ana Cristina Cesar e Paulo Leminski. O último lançamento foi A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, em maio passado.

Aguilar, um dos principais estudiosos da literatura brasileira na Argentina e um dos tradutores de Grande Sertão, em parceria com Florencia Garramuño, destaca a importância das universidades e seus programas de graduação e pós-graduação em literatura brasileira para que também se possam editar ensaios.

O primeiro livro da coleção Veredas, por exemplo, foi Escritos Antropófagos, seleção de artigos de Oswald de Andrade. Atualmente, Aguilar trabalha em um livro sobre a arte nos anos 1960 e a relação entre o artista plástico Hélio Oiticica e o poeta Haroldo de Campos. E é referência na Argentina seu trabalho sobre poesia concreta publicado pela Beatriz Viterbo.

Resposta de leitores

O boom brasileiro não se restringe a essas três editoras. Interzona publicou Mãos de Cavalo, de Daniel Galera, e Bajo la Luna lançou Vésperas, de Adriana Lunardi. A Emecé, por sua vez, organizou uma importante coletânea de contos chamada Terriblemente Felices, com trabalhos de 15 escritores nascidos entre 1941 e 1975, entre eles Joca Reiners Terron, Marcelino Freire, Miguel Sanches Neto e Jorge Mautner. Para arrematar, Eterna Cadencia esta traduzindo Luiz Ruffato. A cooperativa Eloisa Cartonera, capitaneada por Washington Cucurto, responsável colocou no mercado alternativo obras de Haroldo de Campos e Glauco Mattoso, enquanto a Revista Grumo, que dedicou seus primeiros números às literaturas argentina e brasileira, aumentando o intercâmbio entre os dois países, agora abre o escopo para incluir outras letras latino-americanas.

A resposta às traduções brasileiras é imediata por parte da crítica e entre os docentes, mas um pouco mais lenta entre os leitores, conforme destaca Lebenglik. Na Beatriz Viterbo, Astutti reforça que a venda dos brasileiros é de longo prazo, como acontece com todas as obras que eles publicam, independente do idioma original:

– Mas há um interesse crescente, dado que várias editoras estão reforçando a presença da literatura brasileira em seus catálogos nos últimos anos, o que faz com que o público esteja mais familiarizado e receptivo.

Adriana Lunardi, que teve Vésperas editado pela Bajo la Luna, confirma essa visão. Ela conta que seu livro foi bem recebido pelo mercado hermano e recebeu resenhas nos principais jornais do país, como La Nación, Perfil, Critica de la Argentina e Pagina 12.

– São boas resenhas, não porque falam bem do livro, mas porque os fazem pelos motivos certos. Sem dúvida a apreciação dos leitores profissionais argentinos é arguta e interessada, o que não é de estranhar, claro – avalia Lunardi, acrescentando que a venda, no entanto, é mais difícil de acompanhar.

No livro Traducir el Brasil, Gustavo Sorá estabelece alguns dos momentos mais importantes da tradução de livros brasileiros na Argentina durante o século 20, como a primeira tradução de Jorge Amado, em 1935, e a publicação de Carlos Drummond de Andrade e de Clarice Lispector, a partir de 1950.

Além, é claro, do boom escolar de Meu Pé de Laranja Lima, nos anos 60, até hoje o livro mais vendido pelo grupo Grupo Ilhsa, que inclui as livrarias El Ateneo, Tematika.com e Yenny, segundo informa o diretor comercial Jorge González. Sorá destaca, por fim, como último boom brasileiro o fenômeno de vendas dos livros de Paulo Coelho, nos anos 1990. Quem sabe as editoras independentes não estejam gestando, neste momento, um novo capítulo para esta história?

POR GISELE TEIXEIRA | Jornalista brasileira radicada em Buenos Aires, autora do blog Aquí me Quedo

 

A pauta continua com essa entrevista:
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ENTREVISTA

“Pequenas editoras têm espaço”

 

Argentino diz que produção editorial se concentra em Buenos Aires


Os primeiros contatos do bonairense Cristian de Nápoli, 38 anos, com a poesia em português foram por meio da música brasileira. Dali, derivou para Guimarães Rosa e Clarice Lispector, até se tornar, hoje, um dos principais divulgadores da literatura brasileira na Argentina.

Poeta, autor de coletâneas de poemas como Limite Bailable e Los Animales, De Nápoli traduziu e editou em seu país a antologia de poesia contemporânea Cuatro Cuartetos, com obras de quatro poetas brasileiros: Joca Reiners Terron, Angélica Freitas, Ricardo Domeneck e Elisa Andrade Buzzo. Também foi o responsável pela antologia de prosa Terriblemente Felices – Nueva Narrativa Brasileña, reunindo autores brasileiros. De Nápoli esteve em Porto Alegre na quarta-feira para participar de um encontro na Livraria Palavraria sobre seu trabalho de divulgador e a nova ficção brasileira. Lá, concedeu a seguinte entrevista a Zero Hora:

Zero Hora – Como está o mercado editorial na Argentina no período pós-crise?

Cristian de Nápoli
– Com a crise, algumas das editoras tradicionais da Argentina foram vendidas para empresas maiores da Espanha. Outras sumiram. Por volta de 2004 começaram a aparecer novas editoras, pequenas mesmo. Algumas artesanais, outras industrais, mas que só conseguem fazer uns 10 livros por ano. Há pelo menos umas cem editoras pequenas, o que torna também bastante difícil avaliar a qualidade do material. O caso mais emblemático da década é o da Eloisa Cartonera, uma editora que começou em 2003 a lançar livros muito baratos, com papel barato, capa de papelão reutilizado, que eram vendidos a cinco pesos, muito barato.

ZH – Em visita ao Brasil em 2007, o argentino Martín Kohan comentou que o fato de as editoras tradicionais argentinas terem ido para o controle de empresas espanholas gerava uma situação esquizofrênica: livros argentinos editados na Espanha e só depois importados para a Argentina. Com a criação de tantas pequenas editoras, essa situação mudou de alguma forma?

De Nápoli
– Martín Kohan continua a publicar na Espanha, na Anagrama, uma editora que tem muitos autores argentinos e boa distribuição. O livro de ficção mais comentado na Argentina no ano passado foi Los Topos, de Félix Bruzzone, filho de desaparecidos políticos. Ele publicou por uma editora que ninguém conhece, chamada Tamarisco, que só consegue fazer uns três livros por ano. E foi sucesso. Então, tem esses casos. Principalmente os autores jovens, digamos abaixo dos 40 anos, em geral estão editando por editoras pequenas e tendo um sucesso relativo, às vezes considerável.

ZH – Aqui no Brasil, vê-se também uma proliferação de pequenas editoras, pelas quais os autores iniciantes também estão publicando, mas elas enfrentam problemas de distribuição. Como é esse quadro na Argentina?

De Nápoli
– Temos uma desvantagem: a produção editorial se concentra quase toda em Buenos Aires. Não há o que vocês têm aqui no Brasil, diferentes eixos no mesmo país. O que se lê em Buenos Aires é quase o mesmo que se lê no resto do país, é uma coisa histórica. Por outro lado, editoras pequenas têm espaço nas livrarias.

ZH – Quais autores brasileiros você traduziu em Buenos Aires, e como chegou até eles?

De Nápoli
– Comecei a fazer minhas primeiras traduções do português para a Eloisa Cartonera, com escritores como Glauco Mattoso e Jorge Mautner, sempre me concentrando em autores não traduzidos por lá. Em 2008 consegui editar um livro chamado Terriblemente Felices, com 15 autores brasileiros contemporâneos, nascidos depois de 1940. Tem dois contos de cada autor, essa era uma ideia minha e consegui convencer os editores, porque sabia que eram autores que talvez demorassem muito tempo a ter outra tradução. Estão lá Sérgio Sant’Anna, João Gilberto Noll, Cíntia Moscovich, Márcia Denser. Até alguns mais novos, como o baiano João Filho, Marcelino Freire, Marçal Aquino – que dá nome ao projeto, tirado do livro dele Famílias Terrivelmente Felizes.

POR CARLOS ANDRÉ MOREIRA

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